Helena Zanchi
Muito antes de existir cidade ou estrada, havia um vale escondido no coração do Mato Grosso do Sul, onde a terra era fértil, o céu aberto e as águas corriam com sabedoria. Esse lugar era tocado pela energia ancestral, que pulsava nas raízes das árvores, nas margens do rio e no silêncio da planície.
Ali vivia Aratã, um jovem do povo Guarani-Kaiowá, que há gerações habitava as margens do Rio Ivinhema. Seu nome, que significa “voo livre”, foi dado pelo pajé da tribo, que o reconheceu como filho da terra e do céu.
Certa noite, o pajé teve uma visão: aquele lugar mudaria, e povos de outras terras chegariam. Porém, para que houvesse paz, seria preciso um sinal divino. Aratã, escolhido pela energia ancestral do bem, recebeu a missão de unir os elementos da terra, da água e do céu em um ritual sagrado — para que a terra reconhecesse todos os seus filhos, e a cidade que nascesse ali fosse símbolo de união.
Às margens do rio, onde a vegetação se abria como um tapete verde, Aratã dançou por três dias e três noites. Ao fim do terceiro dia, exausto, ele cravou seu cajado no solo e cantou em língua sagrada. O céu se iluminou em cores vivas, e da terra brotaram cinco árvores mágicas — os Ipês Sagrados.
Cada ipê tinha uma cor e uma essência:
- Amarelo: os povos indígenas, raízes profundas e sabedoria ancestral.
- Rosa: os europeus, com sonhos e descobertas.
- Roxo: os africanos, com força, resistência e espiritualidade.
- Branco: a paz, a união entre os povos.
- Verde: a esperança, o futuro miscigenado que nasceria ali. Esse, um ipê é raro, e por isso representa o extraordinário — aquilo que só floresce quando há verdadeira harmonia.
Esses ipês foram considerados sagrados porque não nasceram da semente, mas do ritual de união entre os povos. Cada flor que tocava o rio era o cumprimento de uma promessa antiga — a promessa de que ali nasceria um povo unido, forte e diverso. Por isso, aquela terra passou a ser chamada de Terra Prometida.
Dizem que, ao fim do ritual, quando os cinco ipês floresceram e suas pétalas tocaram o rio, Aratã ergueu os braços ao céu e foi envolvido por uma luz dourada que desceu entre as nuvens.
O vento parou. Os pássaros silenciaram. E o tempo pareceu suspenso.
Quando a luz se dissipou, Aratã não estava mais ali.
Alguns dizem que ele se tornou parte da própria natureza, que sua essência vive nas raízes dos ipês e nas águas do Ivinhema. Outros acreditam que ele foi levado pelos ancestrais, transformado em estrela para vigiar a Terra Prometida do alto.
Aratã não desapareceu — ele ascendeu.
Com o tempo, às margens daquele rio encantado, nasceu uma cidade.
O nome do rio revelou o nome do lugar: Ivinhema.
Ali, os ipês ainda florescem juntos, lembrando que a beleza do Brasil está na mistura de suas raízes.
E quem caminha por suas ruas em silêncio pode sentir a energia ancestral pulsando entre as flores —
não como criadora de um povo, mas como guardiã da paz que os uniu.

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