quarta-feira, 15 de outubro de 2025

CARTEIRA NACIONAL DOCENTE NÃO BASTA!


Carta Aberta ao Senhor Ministro da Educação, Camilo Santana

Excelentíssimo Senhor Ministro,

Escrevo-lhe como professora da Educação Básica, não apenas para relatar, mas para clamar por um olhar mais humano, justo e realista sobre a sala de aula brasileira. A escola pública, onde diariamente travamos batalhas silenciosas, está longe de ser o ambiente ideal que os documentos oficiais descrevem. E nós, professores, estamos cada vez mais distantes do reconhecimento que merecemos.

Dentro da sala de aula, enfrentamos uma realidade complexa e multifacetada. Recebemos crianças que chegam sem qualquer apoio familiar, muitas vezes sem alimentação adequada, sem rotina, sem limites. A escola se torna o único espaço de afeto, segurança e estrutura — e nós, professores, assumimos papéis que vão muito além do pedagógico: somos psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, mediadores de conflitos e, por vezes, a única referência de cuidado.

A neurodivergência, que felizmente hoje é mais reconhecida, ainda é tratada com superficialidade nas políticas públicas. Recebemos alunos com TDAH, autismo, dislexia e outras condições sem formação adequada, sem apoio técnico, sem equipe multidisciplinar. A inclusão, embora necessária e urgente, tem sido feita à custa do esgotamento físico e emocional dos docentes.

A alfabetização, que deveria ser prioridade nacional, é sabotada por pressões políticas e burocráticas. Somos cobrados por resultados imediatos, ignorando o tempo singular de cada criança. A aprovação automática, travestida de inclusão, desvaloriza o esforço do aluno e do professor, criando uma falsa sensação de progresso. E quando os resultados das avaliações externas não são satisfatórios, a culpa recai sobre nós — como se o fracasso fosse exclusivamente nosso, ignorando todo o contexto social que atravessa o processo de aprendizagem.

E aqui, Senhor Ministro, é preciso tocar em uma ferida profunda: o não cumprimento do papel das famílias. A escola tem sido responsabilizada por tudo — pela formação moral, pela saúde emocional, pela disciplina, pela alimentação, pela segurança. Mas quem educa não é só a escola. A base da educação está no lar. Quando os pais se ausentam, quando não acompanham, quando não impõem limites, a criança não falha — quem falha é o adulto que deveria guiá-la. A escola precisa ter coragem de dizer isso, de ensinar que a falha não está no aluno, mas na ausência de responsabilidade familiar. E o Estado precisa apoiar essa verdade, não silenciá-la.

Se queremos realmente transformar a educação, precisamos olhar para os países que a tratam como prioridade nacional. A Finlândia, por exemplo, valoriza seus professores como especialistas. Lá, o magistério é uma das carreiras mais prestigiadas, com formação rigorosa, autonomia pedagógica e salários compatíveis com a responsabilidade que carregam. As escolas são ambientes de acolhimento, não de punição. O foco não está em provas padronizadas, mas em desenvolvimento humano.

Senhor Ministro, a escola ideal não é aquela que apenas cumpre metas. É aquela que acolhe, que respeita os tempos e as histórias, que forma cidadãos críticos e sensíveis. O reconhecimento ideal não é uma carteira digital, mas políticas que garantam salário digno, formação continuada, saúde mental e respeito à nossa autonomia pedagógica. A Carteira Nacional Docente do Brasil, embora seja um avanço simbólico, não pode ser tratada como solução única. Ela não substitui a valorização sólida que precisamos — com condições reais de trabalho, remuneração justa e reconhecimento social efetivo.

O professor ideal não é aquele que se adapta a todas as imposições, mas aquele que é ouvido, valorizado e apoiado para exercer sua missão com dignidade.

Não queremos homenagens vazias. Queremos escuta, ação e transformação. A educação brasileira precisa de coragem política para enfrentar suas mazelas com verdade. E nós, professores, precisamos de aliados — não apenas em discursos, mas em decisões concretas.

Com respeito e esperança,


Helena  Zanchi Bosso

Professora da Educação Básica  

Ivinhema – MS



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