Lenda da Cana-de-Açúcar
Uma história afro-brasileira sobre a doçura que brotou da terra
Há muito tempo, quando as terras de Ivinhema ainda eram cobertas por florestas densas e rios cristalinos, vivia uma comunidade de raízes africanas, que cultivava a terra com sabedoria e reverenciava o Sol como fonte de energia e renovação. O ancião Malembe, cujo nome significava - aquele que guia com firmeza - , era respeitado por sua sabedoria e por manter viva a memória dos ancestrais.
Sua aldeia vivia à mercê da terra árida, onde os sabores pareciam ter sido esquecidos pelo tempo — tudo era amargo, salgado ou insosso, como se a própria natureza hesitasse em oferecer algo mais gentil aos lábios. Mas no crepúsculo de um dia especialmente cansativo, nasceu uma menina de pele dourada como o mel selvagem e cabelos negros como as asas dos corvos noturnos. Seu nome era Zawira, palavra antiga que sussurrava aos ouvidos: “doçura que brota da terra”. Desde os primeiros passos, ela trazia nos olhos o brilho do orvalho e na voz uma melodia que acalmava até o vento. Diziam os mais velhos, entre murmúrios reverentes, que os raios do Sol ao nascer haviam se curvado para beijar sua testa — e que, com ela, chegava a promessa de que a terra, por fim, lembraria seu gosto por bondade.
Zawira cresceu e se tornou uma jovem generosa. Sempre que alguém estava triste, bastava ouvir suas palavras para sentir o coração adoçar. Mas um dia, uma grande seca atingiu a região. Os rios secaram, os frutos murcharam, e até o canto de Zawira perdeu força.
Vendo o sofrimento do povo, Zawira fez um pedido silencioso à terra: que ela levasse seu corpo, mas deixasse sua doçura entre os vivos. Naquela noite, misteriosamente, ela desapareceu Dizem que, antes de partir, ela cantou:
Se minha voz não mais soar,
que a terra cante por mim.
Que o doce brote do chão,
e que o sol não tenha fim.
Se um dia o céu se calar,
que as raízes falem por mim.
O Tempo Rei há de guardar,
que o doce não tenha fim.
No lugar onde ela costumava cantar, nasceu uma planta alta, de folhas verdes e caule firme. Quando os moradores cortaram o caule, dele escorreu um líquido doce como o sorriso de Zawira.
Era a cana-de-açúcar.
A comunidade celebrou com danças e cantos. A planta passou a ser cultivada e compartilhada em outras regiões, tornando-se símbolo de fartura, resistência e união. Dizem que, séculos depois, no mesmo solo onde Zawira viveu e cantou, surgiu uma grande usina chamada Adecoagro, que espalha o doce daquelas terras para milhões de pessoas.
Hoje, as terras de Ivinhema, Angélica e região carregam a memória ancestral desse povo. Os canaviais que se estendem pelo horizonte são mais do que plantações — são testemunhas vivas da ternura deixada por Zawira.
E até hoje, quando o sol brilha forte sobre os campos, os mais antigos dizem que é Zawira sorrindo para seu povo, espalhando sua luz, sua força e sua doçura por cada raiz que toca a terra.
Porque onde há cana, há história. Onde há doçura, há ancestralidade. E onde há sol sobre a plantação há Zawira — eterna guardiã da doce terra de Ivinhema.
HZanchi
Nenhum comentário:
Postar um comentário