segunda-feira, 10 de novembro de 2025

A Boca da Terra — Uma História que Ecoa em Ivinhema


Dedicatória

Dedico esta história
aos guardiões da terra —
os povos indígenas que, há séculos, escutam o solo,
conversam com as árvores
e entendem o silêncio da chuva.

Aos moradores de Ivinhema,
que convivem com a força da Boca da Terra
e aprendem, dia após dia,
que respeitar a natureza é também respeitar a si mesmos.

E às crianças,
que herdarão este chão,
com a missão de curá-lo, protegê-lo
e continuar ouvindo o sussurro da sabedoria ancestral.

Com gratidão,
Helena Zanchi



A Lenda da Boca da Terra

Em uma terra onde o vento carrega histórias e o solo guarda segredos, nasceu uma lenda que atravessa gerações.
Na cidade de Ivinhema, cercada por campos e raízes profundas, a natureza fala — e às vezes, ela grita.

O céu estava pesado. Nuvens escuras se acumulavam sobre os campos, como se a natureza estivesse prestes a dizer algo importante.
Na aldeia Kaiowá, a anciã Iracy caminhava lentamente entre as árvores, tocando o solo com os pés descalços. Ela parava, fechava os olhos e escutava.

“A terra está inquieta,” murmurou. “Ela quer falar.”

Iracy era conhecida por sua sabedoria ancestral. Sabia ler os sinais do vento, entender o silêncio dos animais e decifrar os sonhos da chuva.
Naquela tarde, ela chamou Yandê, uma jovem curiosa e corajosa, que sempre fazia perguntas demais e escutava com atenção demais — como se já soubesse que o mundo tinha segredos.

“Yandê,” disse Iracy, “há uma ferida crescendo no chão. Uma ferida feita por mãos apressadas e olhos que não enxergam.”

Yandê olhou para o horizonte. Lá, onde antes havia um campo de raízes profundas, agora havia apenas terra nua e rachada.
A chuva caiu naquela noite. Forte. Inquieta. E com ela, veio o rugido.

No dia seguinte, os moradores encontraram o que parecia impossível: uma cratera imensa, aberta como uma boca faminta.
Era como se a terra tivesse engolido parte de si mesma. E o nome surgiu naturalmente entre os sussurros: Boca da Terra.

A Boca da Terra crescia. Engolia árvores, avançava em direção ao cemitério, assustava os moradores.
Mas Iracy sabia: aquilo não era vingança. Era aviso.

Yandê começou a investigar. Conversou com os mais velhos, ouviu histórias sobre desmatamento, sobre raízes arrancadas, sobre a terra que perdeu sua pele.

“A terra sem cobertura é como corpo sem proteção,” disse Iracy. “Ela se fere, se abre, se parte.”

Yandê reuniu crianças da aldeia e da cidade. Juntos, plantaram mudas, cercaram a área, criaram cantos de cura.
E a Boca da Terra, aos poucos, parou de crescer.

Com o tempo, as árvores voltaram a florescer, os pássaros retornaram, e o solo, antes ferido, começou a respirar em paz.

Yandê, agora mais velha, caminhava com crianças da aldeia e da cidade pelo antigo local da cratera. Onde antes havia medo, agora havia bancos de madeira sob a sombra das árvores, trilhas com placas que contavam a história da terra, e um espaço onde famílias se reuniam para ouvir, brincar e aprender.

Ali, onde a terra um dia gritou, agora ela sorria.

Diziam que a ideia de transformar aquele espaço em um ponto de encontro para todos surgiu de um homem da cidade que sentiu um chamado da natureza divina — alguém que acreditava que cuidar da terra era honrar a criação.

E assim, a Boca da Terra se tornou mais que uma cicatriz: virou um jardim de memórias, um símbolo de reconciliação entre o humano e o natural.Quando a chuva tocava o chão, os moradores de Ivinhema se aproximavam — atentos, unidos, em reverência. E a terra, que um dia gritou, agora sussurrava com ternura: “Obrigada por me escutarem. Obrigada por me curarem. Obrigada por me amarem.”

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

A Prova Nacional Docente: um retrato da negligência institucional

A aplicação da PND em 26/10 expôs, com brutal clareza, o abismo entre o discurso de valorização docente e a realidade enfrentada por professores no Brasil. O caos logístico, a desorganização e o desprezo pela dignidade dos profissionais da educação não podem ser tratados como meros problemas operacionais.

No último domingo, mais de 1 milhão de professores participaram da primeira edição da Prova Nacional Docente (PND), iniciativa do Ministério da Educação para avaliar e selecionar docentes para redes públicas. O que deveria ser um marco de valorização profissional se transformou em um espetáculo de desrespeito: salas inadequadas, falta de fiscalização, desorganização generalizada e relatos de falhas graves em 11 locais do país.

A resposta oficial foi a reaplicação da prova nesses locais, com nova data ainda indefinida. Mas a pergunta que ecoa entre os corredores das escolas e nas redes sociais é: quem vai pagar o preço emocional, financeiro e temporal dos professores que terão que refazer a prova?

O custo invisível da negligência da incompetência e da irresponsabilidade 

A reaplicação não é apenas uma questão logística. Ela representa:l

- Desgaste emocional: professores já sobrecarregados terão que reviver a tensão de uma avaliação nacional.

- Prejuízo financeiro: muitos viajaram, se hospedaram, deixaram suas famílias e compromissos para realizar a prova.

- Desrespeito institucional: a falha na aplicação reforça a sensação de que o professor é apenas um número, não um profissional digno de respeito.

E se a prova não for anulada nos locais com falhas? A injustiça se cristaliza. A meritocracia vira farsa. A isonomia, promessa vazia.

80 questões e um estudo de caso: a maratona do cansaço

A estrutura da PND foi, por si só, um desafio desumano. Professores exaustos após uma semana de trabalho intenso foram submetidos a 80 questões objetivas e um estudo de caso, tudo isso em pleno domingo — dia que deveria ser de descanso, de família, de recuperação física e mental.

A leitura e compreensão de cada item exigia atenção, foco e energia que muitos já não tinham. O resultado? Uma prova que, para muitos, não mediu competência, mas sim esgotamento. Um atestado cruel da falta de conhecimento — não por incapacidade, mas por exaustão.

A escola como palco da precariedade

A situação da PND é apenas um reflexo do que acontece diariamente nas escolas brasileiras. Professores enfrentam:

- Salas superlotadas e sem estrutura

- Violência física e simbólica

- Pressão por resultados sem apoio pedagógico

- Desvalorização salarial e social

A educação pública virou campo de batalha, e o professor, soldado sem armadura.

Valorização docente: discurso ou compromisso?

A PND poderia ser um passo rumo à valorização. Mas sem respeito, transparência e dignidade, ela se torna mais um instrumento de opressão. Valorização não é só prova, é política pública, salário justo, formação continuada, escuta ativa.

O grito que não pode ser silenciado

A aplicação da PND em 26/10 foi um grito abafado de milhares de professores. Um grito que denuncia: não há valorização sem respeito. Que exige: quem vai reparar os danos? Que clama: chega de descaso.

Se o Brasil quer realmente valorizar seus educadores, precisa começar por ouvir, respeitar e agir. Porque sem professor, não há futuro. E sem dignidade, não há educação.

                                                  Helena Zanchi 


sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O Canto de Zawira: A Origem da Cana-de-Açúcar


Lenda da Cana-de-Açúcar

Uma história afro-brasileira sobre a doçura que brotou da terra

Há muito tempo, quando as terras de Ivinhema ainda eram cobertas por florestas densas e rios cristalinos, vivia uma comunidade de raízes africanas, que cultivava a terra com sabedoria e reverenciava o Sol como fonte de energia e renovação. O ancião Malembe, cujo nome significava - aquele que guia com firmeza - , era respeitado por sua sabedoria e por manter viva a memória dos ancestrais.

Sua aldeia vivia à mercê da terra árida, onde os sabores pareciam ter sido esquecidos pelo tempo — tudo era amargo, salgado ou insosso, como se a própria natureza hesitasse em oferecer algo mais gentil aos lábios. Mas no crepúsculo de um dia especialmente cansativo, nasceu uma menina de pele dourada como o mel selvagem e cabelos negros como as asas dos corvos noturnos. Seu nome era Zawira, palavra antiga que sussurrava aos ouvidos: “doçura que brota da terra”. Desde os primeiros passos, ela trazia nos olhos o brilho do orvalho e na voz uma melodia que acalmava até o vento. Diziam os mais velhos, entre murmúrios reverentes, que os raios do Sol ao nascer haviam se curvado para beijar sua testa — e que, com ela, chegava a promessa de que a terra, por fim, lembraria seu gosto por bondade.

Zawira cresceu e se tornou uma jovem generosa. Sempre que alguém estava triste, bastava ouvir suas palavras para sentir o coração adoçar. Mas um dia, uma grande seca atingiu a região. Os rios secaram, os frutos murcharam, e até o canto de Zawira perdeu força.

Vendo o sofrimento do povo, Zawira fez um pedido silencioso à terra: que ela levasse seu corpo, mas deixasse sua doçura entre os vivos. Naquela noite, misteriosamente, ela desapareceu  Dizem que, antes de partir, ela cantou:

Se minha voz não mais soar,

que a terra cante por mim.

Que o doce brote do chão,

e que o sol não tenha fim.

 

Se um dia o céu se calar,

que as raízes falem por mim.

Tempo Rei  há de guardar,

que o doce não tenha fim.

No lugar onde ela costumava cantar, nasceu uma planta alta, de folhas verdes e caule firme. Quando os moradores cortaram o caule, dele escorreu um líquido doce como o sorriso de Zawira.

Era a cana-de-açúcar.

A comunidade celebrou com danças e cantos. A planta passou a ser cultivada e compartilhada em outras regiões, tornando-se símbolo de fartura, resistência e união. Dizem que, séculos depois, no mesmo solo onde Zawira viveu e cantou, surgiu uma grande usina chamada Adecoagro, que espalha o doce daquelas terras para milhões de pessoas. 

Hoje, as terras de Ivinhema, Angélica e região carregam a memória ancestral desse povo. Os canaviais que se estendem pelo horizonte são mais do que plantações — são testemunhas vivas da ternura deixada por Zawira.

E até hoje, quando o sol brilha forte sobre os campos, os mais antigos dizem que é Zawira sorrindo para seu povo, espalhando sua luz, sua força e sua doçura por cada raiz que toca a terra.

Porque onde há cana, há história. Onde há doçura, há ancestralidade. E onde há sol sobre a plantação há Zawira — eterna guardiã da doce terra de Ivinhema. 

HZanchi

 


quarta-feira, 22 de outubro de 2025

A Lenda da Terra Prometida


A Lenda da Terra Prometida

                                     Helena Zanchi

Muito antes de existir cidade ou estrada, havia um vale escondido no coração do Mato Grosso do Sul, onde a terra era fértil, o céu aberto e as águas corriam com sabedoria. Esse lugar era tocado pela energia ancestral, que pulsava nas raízes das árvores, nas margens do rio e no silêncio da planície.

Ali vivia Aratã, um jovem do povo Guarani-Kaiowá, que há gerações habitava as margens do Rio Ivinhema. Seu nome, que significa “voo livre”, foi dado pelo pajé da tribo, que o reconheceu como filho da terra e do céu.

Certa noite, o pajé teve uma visão: aquele lugar mudaria, e povos de outras terras chegariam. Porém, para que houvesse paz, seria preciso um sinal divino. Aratã, escolhido pela energia ancestral do bem, recebeu a missão de unir os elementos da terra, da água e do céu em um ritual sagrado — para que a terra reconhecesse todos os seus filhos, e a cidade que nascesse ali fosse símbolo de união.

Às margens do rio, onde a vegetação se abria como um tapete verde, Aratã dançou por três dias e três noites. Ao fim do terceiro dia, exausto, ele cravou seu cajado no solo e cantou em língua sagrada. O céu se iluminou em cores vivas, e da terra brotaram cinco árvores mágicas — os Ipês Sagrados.

Cada ipê tinha uma cor e uma essência:

- Amarelo: os povos indígenas, raízes profundas e sabedoria ancestral.  
- Rosa: os europeus, com sonhos e descobertas.  
- Roxo: os africanos, com força, resistência e espiritualidade.  
- Branco: a paz, a união entre os povos.  
- Verde: a esperança, o futuro miscigenado que nasceria ali. Esse, um  ipê é raro, e por isso representa o extraordinário — aquilo que só floresce quando há verdadeira harmonia.

Esses ipês foram considerados sagrados porque não nasceram da semente, mas do ritual de união entre os povos. Cada flor que tocava o rio era o cumprimento de uma promessa antiga — a promessa de que ali nasceria um povo unido, forte e diverso. Por isso, aquela terra passou a ser chamada de Terra Prometida.

Dizem que, ao fim do ritual, quando os cinco ipês floresceram e suas pétalas tocaram o rio, Aratã ergueu os braços ao céu e foi envolvido por uma luz dourada que desceu entre as nuvens.  
O vento parou. Os pássaros silenciaram. E o tempo pareceu suspenso.  
Quando a luz se dissipou, Aratã não estava mais ali.

Alguns dizem que ele se tornou parte da própria natureza, que sua essência vive nas raízes dos ipês e nas águas do Ivinhema. Outros acreditam que ele foi levado pelos ancestrais, transformado em estrela para vigiar a Terra Prometida do alto.  
Aratã não desapareceu — ele ascendeu.

Com o tempo, às margens daquele rio encantado, nasceu uma cidade.  
O nome do rio revelou o nome do lugar: Ivinhema.

Ali, os ipês ainda florescem juntos, lembrando que a beleza do Brasil está na mistura de suas raízes.  
E quem caminha por suas ruas em silêncio pode sentir a energia ancestral pulsando entre as flores —  
não como criadora de um povo, mas como guardiã da paz que os uniu.

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

CARTEIRA NACIONAL DOCENTE NÃO BASTA!


Carta Aberta ao Senhor Ministro da Educação, Camilo Santana

Excelentíssimo Senhor Ministro,

Escrevo-lhe como professora da Educação Básica, não apenas para relatar, mas para clamar por um olhar mais humano, justo e realista sobre a sala de aula brasileira. A escola pública, onde diariamente travamos batalhas silenciosas, está longe de ser o ambiente ideal que os documentos oficiais descrevem. E nós, professores, estamos cada vez mais distantes do reconhecimento que merecemos.

Dentro da sala de aula, enfrentamos uma realidade complexa e multifacetada. Recebemos crianças que chegam sem qualquer apoio familiar, muitas vezes sem alimentação adequada, sem rotina, sem limites. A escola se torna o único espaço de afeto, segurança e estrutura — e nós, professores, assumimos papéis que vão muito além do pedagógico: somos psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, mediadores de conflitos e, por vezes, a única referência de cuidado.

A neurodivergência, que felizmente hoje é mais reconhecida, ainda é tratada com superficialidade nas políticas públicas. Recebemos alunos com TDAH, autismo, dislexia e outras condições sem formação adequada, sem apoio técnico, sem equipe multidisciplinar. A inclusão, embora necessária e urgente, tem sido feita à custa do esgotamento físico e emocional dos docentes.

A alfabetização, que deveria ser prioridade nacional, é sabotada por pressões políticas e burocráticas. Somos cobrados por resultados imediatos, ignorando o tempo singular de cada criança. A aprovação automática, travestida de inclusão, desvaloriza o esforço do aluno e do professor, criando uma falsa sensação de progresso. E quando os resultados das avaliações externas não são satisfatórios, a culpa recai sobre nós — como se o fracasso fosse exclusivamente nosso, ignorando todo o contexto social que atravessa o processo de aprendizagem.

E aqui, Senhor Ministro, é preciso tocar em uma ferida profunda: o não cumprimento do papel das famílias. A escola tem sido responsabilizada por tudo — pela formação moral, pela saúde emocional, pela disciplina, pela alimentação, pela segurança. Mas quem educa não é só a escola. A base da educação está no lar. Quando os pais se ausentam, quando não acompanham, quando não impõem limites, a criança não falha — quem falha é o adulto que deveria guiá-la. A escola precisa ter coragem de dizer isso, de ensinar que a falha não está no aluno, mas na ausência de responsabilidade familiar. E o Estado precisa apoiar essa verdade, não silenciá-la.

Se queremos realmente transformar a educação, precisamos olhar para os países que a tratam como prioridade nacional. A Finlândia, por exemplo, valoriza seus professores como especialistas. Lá, o magistério é uma das carreiras mais prestigiadas, com formação rigorosa, autonomia pedagógica e salários compatíveis com a responsabilidade que carregam. As escolas são ambientes de acolhimento, não de punição. O foco não está em provas padronizadas, mas em desenvolvimento humano.

Senhor Ministro, a escola ideal não é aquela que apenas cumpre metas. É aquela que acolhe, que respeita os tempos e as histórias, que forma cidadãos críticos e sensíveis. O reconhecimento ideal não é uma carteira digital, mas políticas que garantam salário digno, formação continuada, saúde mental e respeito à nossa autonomia pedagógica. A Carteira Nacional Docente do Brasil, embora seja um avanço simbólico, não pode ser tratada como solução única. Ela não substitui a valorização sólida que precisamos — com condições reais de trabalho, remuneração justa e reconhecimento social efetivo.

O professor ideal não é aquele que se adapta a todas as imposições, mas aquele que é ouvido, valorizado e apoiado para exercer sua missão com dignidade.

Não queremos homenagens vazias. Queremos escuta, ação e transformação. A educação brasileira precisa de coragem política para enfrentar suas mazelas com verdade. E nós, professores, precisamos de aliados — não apenas em discursos, mas em decisões concretas.

Com respeito e esperança,


Helena  Zanchi Bosso

Professora da Educação Básica  

Ivinhema – MS



terça-feira, 7 de outubro de 2025

Entre Risos e Reflexões



A Alegria que nos falta

Por Helena Zanchi

Nesta semana, em comemoração ao Dia da Criança, o Anfiteatro da Câmara Municipal de Ivinhema se enche de risos, curiosidade e encantamento com a apresentação do Palhaço Alegria. Um artista que, mesmo sozinho — sem sonoplasta, sem equipe técnica, sem apoio de bastidores — entregou tudo o que tinha: talento, esforço e coração.

Foi emocionante vê-lo se desdobrar para manter a atenção das crianças, improvisando, criando, se reinventando a cada gesto. E foi impossível não perceber o contraste: enquanto ele se doava por inteiro, nossos alunos, ainda pouco acostumados com eventos culturais, tentavam compreender o que lhes era oferecido. Não por falta de interesse, mas por falta de hábito, de acesso, de vivência.

Essa apresentação revelou algo profundo: somos carentes de cultura. Temos fome e sede de arte, de experiências que nos toquem, que nos façam pensar, rir, sentir. Precisamos de mais momentos como esse — mais eventos, mais investimento, mais valorização dos artistas locais e mais formação cultural para nossas crianças.

O Palhaço Alegria fez o seu melhor. E seu esforço merece ser reconhecido, multiplicado e apoiado. Que ele não esteja mais sozinho. Que a cultura em Ivinhema seja presença constante, não exceção.

Por uma cidade onde a alegria não seja apenas personagem, mas parte constante da nossa realidade.



sábado, 4 de outubro de 2025

A lenda do Ipê da Paz

 

O Ipê da Paz do Vale do Ivinhema

No coração do Mato Grosso do Sul, onde o rio Ivinhema serpenteia entre matas e campos dourados, existe um lugar encantado chamado Vale do Ivinhema. Ali, muito antes das cidades, viviam os povos indígenas Guarani-Kaiowá, que conheciam os segredos da terra, do céu e das árvores.

Arami era uma menina Guarani-Kaiowá, curiosa e corajosa, que morava com sua avó numa aldeia próxima ao rio. Ela adorava ouvir as histórias contadas ao redor da fogueira, especialmente sobre uma árvore mágica: o ipê branco, que só florescia quando o mundo precisava de paz.

Certa noite, Arami sonhou com um velho pajé que dizia: “Quando o ipê branco florescer no Vale do Ivinhema, os corações vão se lembrar do caminho da paz.”

Na manhã seguinte, guiada pelo canto de um curiango, Arami subiu um morro escondido e encontrou o ipê branco, florido como nunca. Suas pétalas pareciam feitas de nuvem e brilhavam com a luz do sol.

Ela colheu uma flor e levou até sua aldeia. Quando os moradores tocaram a flor, sentiram uma calma profunda. As brigas cessaram, os cantos voltaram, e até os bichos da mata se aproximaram em silêncio.

A notícia se espalhou pelas aldeias do Vale do Ivinhema. As tribos vizinhas — Terena, Kadiwéu, Ofaié — vieram ver o ipê branco e, juntas, criaram a Festa das Pétalas da Paz. As crianças pintam o rosto com urucum, dançam com penas coloridas e cantam em guarani, lembrando que a paz começa com respeito e escuta.

Com o tempo, a história de Arami e do ipê branco chegou às cidades por meio de viajantes, professores e artistas que visitavam o Vale do Ivinhema. Um cineasta encantado com a lenda fez um documentário que viralizou nas redes sociais. A imagem do ipê branco florido se tornou símbolo de esperança em tempos de conflito.

Movimentos sociais, escolas e comunidades urbanas começaram a celebrar a Semana das Pétalas da Paz, inspirada na festa das aldeias. Crianças de diferentes culturas pintavam o rosto com cores da natureza, escreviam cartas de reconciliação e plantavam ipês em praças e parques como compromisso com o diálogo e o respeito.

O ipê branco passou a ser cultivado em escolas, hospitais, centros culturais e até em presídios, onde internos criaram jardins da paz como parte de programas de ressocialização. A flor virou estampa de camisetas, murais e campanhas educativas.

E dizem que, sempre que alguém planta um ipê branco com o coração aberto, Arami sorri em algum lugar do Vale do Ivinhema, sabendo que sua missão continua viva — agora não só entre os povos da floresta, mas em cada canto onde a paz é semeada.   

Por Helena Zanchi

A Boca da Terra — Uma História que Ecoa em Ivinhema

Dedicatória Dedico esta história aos guardiões da terra — os povos indígenas que, há séculos, escutam o solo, conversam com as árvores...