Por HZanchi
Na última quinta-feira vivi uma cena que me fez pensar sobre o poder da literatura nos espaços públicos. Levei meu neto Davi Miguel ao Posto de Saúde do Bairro Itapoã em Ivinhema - MS e, como em tantos outros dias, a espera foi longa. Três longas horas em um ambiente silencioso, impessoal, onde o tempo parece não passar.Davi já impaciente com tanta demora me olhou com aquele olhar que mistura tédio e inquietação e perguntou, quase num lamento: — Vovó, vai demorar?Numa tentativa de diminuir todo aquele tédio, sorri e disse: — Acho que seremos os próximos, meu bem.Mas o tempo parecia brincar com nossa paciência. Já não suportando mais, ele se levantou e começou a explorar o ambiente. Foi então que avistou algumas revistas de propaganda publicitária, panfletos sobre saúde e alguns exemplares do Novo Testamento, todos dispostos sobre uma mesinha improvisada, coberta com uma toalha de TNT cor prata. Acima dela, uma folha impressa dizia: Cantinho da Leitura e da Informação.Ele se aproximou curioso, folheando com dedos pequenos e olhos grandes. E ali, entre palavras sagradas e dicas médicas, o tempo pareceu desacelerar. A espera ganhou companhia. E eu, observando de longe, entendi que às vezes basta um gesto simples — uma mesa, uma toalha prateada, um livro — para transformar o tédio em descoberta.Eu logo comecei a sonhar... e se entre os panfletos e os versículos, houvesse também livros literários — contos, crônicas, poesia. Obras que despertam, que acolhem, que provocam. Aquelas que não apenas informam, mas encantam. O “Cantinho da Leitura e da Informação” poderia então se tornar um verdadeiro Cantinho de Imaginação.Porque quando a literatura ocupa espaços não escolares, ela rompe barreiras. Ela mostra que ler não é só obrigação — é prazer, é companhia, é respiro. Um neto impaciente poderia se perder nas aventuras de O Menino Maluquinho, de Ziraldo, ou nas travessuras de Marcelo, Marmelo, Martelo, de Ruth Rocha. Enquanto isso, a avó encontraria consolo nos versos delicados de José Paulo Paes, ou se emocionaria com a simplicidade poética de Cora Coralina.E por que não um pai distraído folheando uma crônica leve de Martha Medeiros, como “Do que eu tenho saudade”, que fala com ternura sobre memórias afetivas? Ou uma jovem se encantando com os contos breves e sensíveis de Elias José, como “O menino que tinha medo de errar”, que trata com delicadeza os desafios da infância?Talvez um adolescente descubra “O espelho”, de Machado de Assis, e se surpreenda com a ideia de identidade dividida. Ou alguém se emocione com uma crônica de Fernando Sabino, como “A última crônica”, que transforma o cotidiano em despedida poética — sem pesar, só beleza.A sala de espera, antes lugar de ansiedade, vira território de encontros — com personagens, com emoções, com memórias. A literatura ali, disponível e acessível, transforma o tempo ocioso em tempo fértil. E sem que se perceba, nasce o leitor — não por obrigação, mas por encantamento.A leitura literária nesses espaços humaniza, democratiza, transforma. E quem sabe, entre uma consulta e outra, nasça ali um novo leitor — por acaso, por curiosidade, por encantamento.Esperar por atendimento não precisa ser sinônimo de tédio. Pode ser uma oportunidade de encontro com a imaginação, com o conhecimento e com o outro. Que nossos postos de saúde sejam também postos de cultura. Que o Cantinho da Leitura e da Informação seja mais do que um nome – seja um gesto de carinho com quem espera.

.jpeg)
Nenhum comentário:
Postar um comentário